terça-feira, 30 de abril de 2013

Les Pietons






Pieton quer dizer pedestre. Nestes quase quatro meses que vivemos aqui talvez esta tenha sido o fator de maior mudança em relação à nosso estilo de vida no Brasil. Lá éramos motoristas completamente sedentários dependentes dos carros, e fazíamos tudo atrás do volante, mas aqui obviamente não temos carros, então nós somos pedestres.

Mas não foi uma mudança ruim. Pelo contrário, nos consideramos orgulhosos de nosso perfil marchante. Primeiro porque, ter carro é um saco. O carro custa caro, ocupa espaço, bebe gasolina, e o IPVA e vistoria são duas chagas inevitáveis. O carro é caprichoso, enguiça, fura pneu, gasta óleo, exige uma cara manutenção, lavagens periódicas, e ninguém que tenha carro pode viver sem um seguro, porque quando você menos espera alguma jabiraca pode engatar na sua traseira. Para completar, no Brasil, um carro atrai bandidos, vândalos, mecânicos aproveitadores, e finalmente, dirigir é muito chato e estressante. Mas, mesmo com tudo isso, era inevitável para nós ter um carro no Brasil. Porque ? Porque o sistema de transporte público no Brasil é um lixo, e embora não seja impossível, é muito difícil viver uma vida sem carro no Brasil. Sei disso porque quando acontecia de ficar sem carro por alguns dias, tudo virava um caos. Não é à toa que no Brasil o carro é o maior sonho de consumo das pessoas. Mas agora nos consideramos aliviados de não possuir um carro, e nos damos conta do mal que ele causa e do espaço que ocupava no orçamento e em nossas mentes. 

Aqui o sistema de transporte funciona, e muito bem. Ele não é nem um pouco glamoroso, perfumado ou elegante. Porém é abundante, pontual e confiável. Sendo assim, ter um carro em Paris e região (e são muitos carros) é realmente um luxo. A rede de transportes é impressionantemente completa e abrangente, e é praticamente impossível aqui não existir uma maneira dentro da rede de te levar do ponto A para o ponto B. Todos usam, sem exceção, do indigente ao executivo, e por isso a fauna dos usuários é sempre divertida e muito interessante de se observar: tem rico, pobre, madame, banguela, mendigo, cachorro (muitos), patricinha, dândis, mulheres elegantes, gente recitando o corão em voz alta, adolescentes barulhentos, músicos, gente berrando no celular, loucos, poetas, bêbados, velhinhas, carrinhos de bêbe, famílias e maloqueiros. Ou seja, tem de tudo neste resumo da mistura cultural e social que é Paris, onde nada que se veja é surpreendente.




Aqui todo o sistema de transporte é publico e gerenciado pelo estado, através da empresa RATP. É uma empresa muito organizada, pontual, e o nível de respeito ao usuário é muito alto. Os funcionários são bem treinados, simpáticos dentro do possível, muito bem uniformizados e respeitosos. As tarifas são justas, e o sistema de adesão, carta Navigo, permite que você se locomova à vontade dentro das áreas escolhidas, sem limite de viagens, meio de transporte ou o que quer que seja, pagando uma taxa fixa por mês. É o ideal para quem mora na cidade e arredores. Para completar, no sábado e domingo ele inclui qualquer área dentro de Île-de-France, e por causa disso já fomos de graça para cidades tão distantes como Fontainebleau, há 60 km de Paris, por exemplo. A seguir, um pequeno resumo dos transportes que formam a complexa rede, toda intrincada, interconectada e muito completa.


Estação moderníssima do Metro linha 14 


Estação "clássica" com azulejos brancos e afiches art nouveau. Algumas estão caindo aos pedaços


Metro - É o carro chefe da rede, com mais de cem anos, é o segundo mais velho do mundo. O mais usado, amado e maltratado pelo povo. É sinônimo de Paris. Aqui tem um ditado "Quem não anda de metrô não é parisiense". Não é apenas um meio de transporte, mas um estilo de vida para seus usuários. Uma verdadeira cidade subterrânea onde se encontra de tudo. Existem estações moderníssimas e impecáveis, interessantes. Algumas são temáticas, como a estação arts et métiers, que lembra um submarino. Outras são culturais, como a do Château de Vincennes, que abriga um mini museu. outras caindo aos pedaços e que não escondem os seus 100 anos. Pontos fortes: rápido, seguro, confiável, abundante, pontual. Pontos fracos: superlotados nos horários de pico, sujeira (proporcional ao número de usuários, até que não é tão mal), pixações, e quantidade de sem abrigos e mendigos que vivem nas estações.


Estação do Mêtro arts et métiers, imitando o interior de um submarino, com escotilha e tudo

Ônibus - Excelente, do tipo que o motorista dá bom dia a cada passageiro que entra. Estão por todos os lados. Pontos fortes: limpos, frota moderna (da Renault - claro que não seriam da Mercedes), seguros,confortáveis, bem frequentado (jamais há malucos, mendigos ou músicos), pontuais, e você ainda viaja olhando a paisagem de Paris. Ponto fraco: lento quando comparado ao metrô, sujeito às condições de trânsito.





Tramway - É o bonde, trens de superfície que substituíram a antiga petite ceinture, e contornam toda a cidade. Super modernos e confortáveis, são os mais novos a se juntar à rede. Pontos fortes: modernos, seguros, confiáveis, silenciosos, sem mendigos, abundantes, confortáveis e pontuais. Ponto fraco: não tem.





RER - Complexa malha de trens que ligam Paris à todas as cidades de sua região metropolitana, aeroportos e parques, como a Disney e Versailles, por exemplo. É considerado o maior orgulho da engenharia francesa do pós guerra, e do governo socialista. Uma rede invejável de trens urbanos, que se transformam em mêtro logo que atingem a cidade de Paris. Sua rede, quando subterrânea, é própria e independente do metrô. Suas estações são gigantescas, e os trens podem ter um ou dois andares. Uma beleza para quem gosta de trens, como eu. Pontos fortes: muito abrangente, colocando uma pessoa que vive à dezenas de kilômetros de Paris dentro da cidade em até 30  minutos, trens confortáveis, pontuais, limpos (algumas pixações apenas), seguros. Ponto fraco: um bilhete pode sair caro, de acordo com a distância a ser percorrida. Nos dias de neve forte o sistema não anda.





Transilien - São os trens das "grandes linhas", como eles chamam por aqui, que interconectam Paris e as cidades que se situam além da "grande couronne", ou seja, além da área metropolitana. São gerenciados pela SNCF, empresa parceira da RATP, também estatal. Geralmente são trajetos longos, com 40 minutos ou mais. Mesmo assim boa parte das pessoas que trabalham e circulam por Paris chegam até aqui através deles, nas grandes estações (Gares de Lyon, Montparnasse, Austerlitz, Gare du Nord). No final de semana o fluxo se inverte, e são os Parisienses que o utilizam para dar uma escapada no "campo". Se tiver passe Navigo melhor ainda, pois a viagem sai de graça no sábado e domingo. Pontos fortes: trens rápidos e confortáveis, pontuais, limpos, seguros. Ponto fraco: um bilhete pode sair caro, de acordo com a distância a ser percorrida   


Transilien na Garre de Lyon

Vélib - Mistura das palavras "Vélo" (bicicleta) com "libre" (livre). Um magnífico meio de transporte que consiste em pegar uma bicicleta numa das centenas de estações e devolvê-la em outra. As bicicletas são novas, tem cestinha, câmbio, lanterna e farol. As ciclovias são fartas, sinalizadas e respeitadas. É preciso dirigir respeitando as normas de tráfico: sinais de trânsito e faixa de pedestres. Uma beleza. É o melhor meio para se locomover em médias distâncias no centro de Paris, divertido e com um ventinho no rosto, em meio às paisagens maravilhosas (nada como pedalar nas margens do Sena, ao lado de Notre Dame, etc). Muito utilizado, inclusive por pessoas de idade, "madamas" e engravatados. Pontos fortes: abundantes, prático, ecológico, barato (paga-se uma taxa equivalente a 2,90 euros por mês adicional ao Navigo para usar à vontade). Ponto fraco: os motoristas respeitam as bicicletas como se fossem um carro ou uma moto. Porém, se o ciclista for distraído, imprudente, ou descuidado, pode ser lambido por uma carro ou ônibus, ou mesmo atropelar um pedestre.







Autolib - O mesmo sistema do vélib, só que com carros elétricos. O sujeito simplesmente pega o carro em um lugar e devolve em outro. Pontos fortes: ecológico e prático. Pontos fracos: a assinatura do sistema é burocrática e o seguro é cara, o número de viaturas ainda é pequeno, e ainda está em fase de experimentação. Nunca usei, pois a assinatura é cara para mim, mas com certeza é uma opção inteligente para quem quer usar um carro.





Voguéo - Projeto piloto que colocará barcos navettes para levar passageiros à estações ao longo do Sena e periferias. Seria um ônibous aquático. No momento em processo de avaliação e experimentação, sobretudo quanto a sua viabilidade econômica. Depende da aprovação do conselho de transportes. Se funcionar vai ser muito bom. Só por curiosidade seria um retorno ao primeiro meio de transporte coletivo a existir na cidade: o barco, que reinou absoluto por mais de um século, e depois foi engolido pelos trens e metrôs.



Navette no Sena, em frente à Biblioteca Nacional François Mitterrand


quinta-feira, 25 de abril de 2013

La Fac




La Fac aqui é uma gíria para faculdade. Começamos há umas três semanas o curso de sociologia na faculdade Notre Dame, uma das mais antigas de Paris, e obviamente católica. Não estamos cursando uma faculdade inteira de sociologia, mas sim um período, um crédito, um curso de sociologia, que vai durar um semestre, e certamente enriquecerá os currículos. A faculdade é muito interessante e organizada, funciona em um prédio de quase 800 anos, totalmente revitalizado, e é mantida pela ordem religiosa dos Bernardinos, no prédio onde funcionava o antigo mosteiro. A turma possui 23 alunos de muitas origens diferentes, mas a maioria de religiosos e seminaristas. O professor é o próprio protótipo do intelectual francês e também é professor da Universidade Paris 8 em Saint Denis. Tem sido uma ótima experiência.

Hall de entrada, recepção, café e livreiro

Fontainebleau




Foi muito boa a visita no domingo passado ao impressionante Château de Fontainebleau, na cidade do mesmo nome, há 60 Km de Paris, direção sul. A cidade gira em torno do antigo e gigantesco Château, que tem quase mil anos de história, e foi sendo aumentado gradualmente, à partir de um modesto castelinho medieval, até virar uma espécie de cidadela. Os jardins são espetaculares, para mim a maior atração, e estavam lotados de gente fazendo pic nic, inclusive nós. Para completar, o museu, que exibe relíquias, quadros e mobílias acumuladas ao longo dos anos, neste castelo onde nasceram e viveram muitos reis da França, e o qual Napoleão apelidou a "verdadeira morada dos nobres". Graças ao amor de Bonaparte pelo château, esta é a única propriedade da monarquia que permaneceu intacta até hoje, e não pilhada após a revolução. 


Uma pequena parte dos Jardins, que dão para a Floresta de Fontainebleau


Tiramos o dia para ir, mas valeu muito a pena. A cidade também é linda, e fica colada ao Château, que é tão grande que nem cabe em uma única foto, mesmo panorâmica. Hoje em dia, muitos entusiastas também vão para passar o dia explorando a Floresta de Fontainebleau, uma enorme reserva que oficialmente pertence ao Château. Assim, uma boa parte dos passageiros do trem que vem de Paris descem uma estação antes do Château e vêm andando calmamente pela floresta, completando o passeio nos jardins do palácio. 



Uma das muitas fachadas do château






Detalhe do Museu


A Simpática "ala dos Ministros"

No Museu está exposto o traje mais célebre de Bonaparte (que por sinal era um sujeito muito pequenininho, do tamanho de uma criança), e seu indefectível chapéu com o emblema tricolor, a peça mais cobiçada  da coleção do museu.
Jardim de Diana, um jardin "menor", nos fundos do château


Prédio da prefeitura de Fontainebleau, na av principal da cidade.


Detalhe do lago azul turquesa


(Clique nas fotos se desejar ampliá-las)

sábado, 13 de abril de 2013

La Petite Ceinture






Até o início do século 20 a cidade de Paris era inteiramente rodeada por uma linha de trem urbano chamada de "Petite Ceinture", a pequena cintura. A linha era ao mesmo tempo o marco que circundava os limites da cidade. Porém com o passar dos anos, a cidade foi crescendo para muito além destes limites. Além disso, as pessoas passaram a migrar para a novidade do momento de então: o Metrô, mais moderno, rápido e com uma malha mais intrincada, que cruzava a cidade inteira. Assim, progressivamente o metrô desenvolve-se muito ao longo de cem anos, enquanto a petite ceinture foi sendo gradualmente abandonada, até que deixou de funcionar. Hoje em dia porém, seus trilhos estão ainda no mesmo lugar, abandonados, e sua enorme área (de 32 km quadrados) pertence ao estado. 

Trajeto, em preto, da linha original circulando a cidade




Ponte abandonada no 12eme arrondissement, que era parte do trajeto da petite ceinture

Atualmente, paralelo ao seu antigo traçado, funcionam os modernos e eficientes bondes Tramway, mini trens sobre trilhos, que afastaram completamente a possibilidade de ressuscitar a petite ceinture como via férrea. Por isso o espaço ocioso às vezes é usado como espaço cultural, espaço de lazer, espaço de dança, hortas comunitárias, etc. Eu adoro passar por lugares onde existem trechos da ceinture, pontes antigas, etc. Existe até uma associação de adoradores da petite ceinture. Atualmente duas idéias estão circulando por aqui, para solucionar o problema deste patrimônio: a primeira, criar um imenso parque verde que rodearia a cidade inteira, no mesmo modelo da Promenade Plantée, sobre a qual já escrevi  aqui. A segunda, que considero mais interessante, seria a de criar uma gigantesca ciclovia de mão dupla, uma espécie de auto-estrada exclusiva para bicicletas, um anel viário para bicicletas, contendo diversas garagens coletivas em pontos estratégicos da via, onde haveriam conexões com ônibus, metrô e tramway, o que poderia contribuir consideravelmente para reduzir a dependência dos automóveis, e ainda diminuir a poluição atmosférica.


O nosso amado Tram, que chamo de bonde, e que hoje circula em uma linha paralela à petite ceinture original, que igualmente contorna a cidade, tornando  a antiga linha abandonada totalmente obsoleta




Parte da velha ceinture que cruzamos de vez em quando, no comecinho do 12 eme

sexta-feira, 5 de abril de 2013

A Grande Mesquita de Paris




Por causa da proximidade geográfica, e da colonização francesa de boa parte do norte da Africa, que trouxe também a proximidade linguística, hoje vive aqui em Paris um enorme contingente de imigrantes de origem árabe/muçulmana, sobretudo marroquinos, argelinos e tunisianos. Juntaram-se a eles muitos turcos, palestinos, imigrantes da indonésia, além é claro, dos muçulmanos originários das ex colônias francesas da Africa negra. Com isso, Paris é uma cidade repleta de mesquitas, mas a principal é a Grande Mesquita de Paris, que é também um centro de cultura islâmica.

Belos Jardins internos - estilo oriente médio

Todos os países europeus se encontram em estado de apreensão com a crescente islamização do continente, por diversos motivos (sociais, econômicos, religiosos, culturais, políticos), e na França não poderia ser diferente. Hoje em dia este é sem dúvida o maior problema de sociedade no país. Aqui é comum cruzar com mulheres vestidas de lenço na cabeça, ou até burca, a segunda língua mais falada nas ruas é disparado o árabe, e é mais fácil em certos quarteirões achar um restaurante de Kebab do que uma boulangerie. Uma colega nossa diz que Paris tinha que mudar de nome para Riad (capital da Arábia Saudita).




Aqui na França este assunto é muito delicado. Primeiro porque existe a evidente culpa pelos anos de ocupação e exploração daqueles países, então há um consenso de que existe uma inevitável dívida histórica em relação a esta questão. Segundo porque a França é um país fortemente socialista, e os ideais de igualdade e liberdade são, na medida do possível, levados em conta, e a falta de tolerância aqui é punível por lei. Terceiro porque os islâmicos estão por toda parte, e uma enorme parcela já deixou de ser apenas visitante ou imigrante há muito tempo, mas hoje são franceses legítimos, mesmo que de origem islâmica, e por vezes já na segunda ou terceira geração. Muitos são médicos, engenheiros, advogados, políticos, e absorveram a cultura ocidental.




Boa parte dos islâmicos é formada por cidadãos honestos, economicamente ativos (muitos são ricos), pacíficos, cultos e educados (muitos universitários), mas há todavia uma igual parcela que é motivo de preocupação. A grande maioria dos moradores dos bairros "sensíveis" ou problemáticos de Île-de-France, por exemplo, são desta origem, assim como diversas atitudes cotidianas que demonstram pobres valores de cidadania, são praticados por pessoas desta origem. Mas a característica mais temida e detestada é a insistência de alguns islãmicos em impor suas crenças religiosas pessoais como norma de conduta civíl, e o desprezo pelo código social ocidental, muito prezado na França, país de origem dos valores republicanos modernos. Esse é o tipo de atitude e afronta que não se espera de um "visitante". Obviamente por aqui há um clima que varia do preconceito silencioso até o racismo declarado do Front Nacional, o partido de extrema direita. Para eles, os "árabes" são o inimigo público número 1, e o bode expiatório para todos os problemas do país (e do mundo). O lema deles é simples: se estão aqui se enquadrem,  e se não gostam daqui então se mandem.




De nossa parte não temos qualquer restrição em relação à origem religiosa ou cultural de alguém, e este texto serve apenas para ilustrar as experiências que observamos por aqui em nosso dia a dia. Mas também não concordamos com a imposição dos valores religiosos pessoais praticada pelos islãmicos radicais. Crenças religiosas devem se resumir ao foro pessoal do indivíduo, porque a laicidade é sagrada. Acreditamos que existem boas ou más pessoas, independente de sua origem. Há o bom e o mau islâmico, assim como o bom e o mau cristão. Porém consideramos excepcional a oportunidade de conviver com a diversidade cultural que Paris oferece, e somos colegas de algumas pessoas desta origem, que passam longe de qualquer arquétipo negativo.
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