Pieton quer dizer pedestre. Nestes quase quatro meses que vivemos aqui talvez esta tenha sido o fator de maior mudança em relação à nosso estilo de vida no Brasil. Lá éramos motoristas completamente sedentários dependentes dos carros, e fazíamos tudo atrás do volante, mas aqui obviamente não temos carros, então nós somos pedestres.
Mas não foi uma mudança ruim. Pelo contrário, nos consideramos orgulhosos de nosso perfil marchante. Primeiro porque, ter carro é um saco. O carro custa caro, ocupa espaço, bebe gasolina, e o IPVA e vistoria são duas chagas inevitáveis. O carro é caprichoso, enguiça, fura pneu, gasta óleo, exige uma cara manutenção, lavagens periódicas, e ninguém que tenha carro pode viver sem um seguro, porque quando você menos espera alguma jabiraca pode engatar na sua traseira. Para completar, no Brasil, um carro atrai bandidos, vândalos, mecânicos aproveitadores, e finalmente, dirigir é muito chato e estressante. Mas, mesmo com tudo isso, era inevitável para nós ter um carro no Brasil. Porque ? Porque o sistema de transporte público no Brasil é um lixo, e embora não seja impossível, é muito difícil viver uma vida sem carro no Brasil. Sei disso porque quando acontecia de ficar sem carro por alguns dias, tudo virava um caos. Não é à toa que no Brasil o carro é o maior sonho de consumo das pessoas. Mas agora nos consideramos aliviados de não possuir um carro, e nos damos conta do mal que ele causa e do espaço que ocupava no orçamento e em nossas mentes.
Aqui o sistema de transporte funciona, e muito bem. Ele não é nem um pouco glamoroso, perfumado ou elegante. Porém é abundante, pontual e confiável. Sendo assim, ter um carro em Paris e região (e são muitos carros) é realmente um luxo. A rede de transportes é impressionantemente completa e abrangente, e é praticamente impossível aqui não existir uma maneira dentro da rede de te levar do ponto A para o ponto B. Todos usam, sem exceção, do indigente ao executivo, e por isso a fauna dos usuários é sempre divertida e muito interessante de se observar: tem rico, pobre, madame, banguela, mendigo, cachorro (muitos), patricinha, dândis, mulheres elegantes, gente recitando o corão em voz alta, adolescentes barulhentos, músicos, gente berrando no celular, loucos, poetas, bêbados, velhinhas, carrinhos de bêbe, famílias e maloqueiros. Ou seja, tem de tudo neste resumo da mistura cultural e social que é Paris, onde nada que se veja é surpreendente.
Aqui todo o sistema de transporte é publico e gerenciado pelo estado, através da empresa RATP. É uma empresa muito organizada, pontual, e o nível de respeito ao usuário é muito alto. Os funcionários são bem treinados, simpáticos dentro do possível, muito bem uniformizados e respeitosos. As tarifas são justas, e o sistema de adesão, carta Navigo, permite que você se locomova à vontade dentro das áreas escolhidas, sem limite de viagens, meio de transporte ou o que quer que seja, pagando uma taxa fixa por mês. É o ideal para quem mora na cidade e arredores. Para completar, no sábado e domingo ele inclui qualquer área dentro de Île-de-France, e por causa disso já fomos de graça para cidades tão distantes como Fontainebleau, há 60 km de Paris, por exemplo. A seguir, um pequeno resumo dos transportes que formam a complexa rede, toda intrincada, interconectada e muito completa.
Estação moderníssima do Metro linha 14 |
Estação "clássica" com azulejos brancos e afiches art nouveau. Algumas estão caindo aos pedaços |
Metro - É o carro chefe da rede, com mais de cem anos, é o segundo mais velho do mundo. O mais usado, amado e maltratado pelo povo. É sinônimo de Paris. Aqui tem um ditado "Quem não anda de metrô não é parisiense". Não é apenas um meio de transporte, mas um estilo de vida para seus usuários. Uma verdadeira cidade subterrânea onde se encontra de tudo. Existem estações moderníssimas e impecáveis, interessantes. Algumas são temáticas, como a estação arts et métiers, que lembra um submarino. Outras são culturais, como a do Château de Vincennes, que abriga um mini museu. outras caindo aos pedaços e que não escondem os seus 100 anos. Pontos fortes: rápido, seguro, confiável, abundante, pontual. Pontos fracos: superlotados nos horários de pico, sujeira (proporcional ao número de usuários, até que não é tão mal), pixações, e quantidade de sem abrigos e mendigos que vivem nas estações.
Estação do Mêtro arts et métiers, imitando o interior de um submarino, com escotilha e tudo |
Ônibus - Excelente, do tipo que o motorista dá bom dia a cada passageiro que entra. Estão por todos os lados. Pontos fortes: limpos, frota moderna (da Renault - claro que não seriam da Mercedes), seguros,confortáveis, bem frequentado (jamais há malucos, mendigos ou músicos), pontuais, e você ainda viaja olhando a paisagem de Paris. Ponto fraco: lento quando comparado ao metrô, sujeito às condições de trânsito.
Tramway - É o bonde, trens de superfície que substituíram a antiga petite ceinture, e contornam toda a cidade. Super modernos e confortáveis, são os mais novos a se juntar à rede. Pontos fortes: modernos, seguros, confiáveis, silenciosos, sem mendigos, abundantes, confortáveis e pontuais. Ponto fraco: não tem.
RER - Complexa malha de trens que ligam Paris à todas as cidades de sua região metropolitana, aeroportos e parques, como a Disney e Versailles, por exemplo. É considerado o maior orgulho da engenharia francesa do pós guerra, e do governo socialista. Uma rede invejável de trens urbanos, que se transformam em mêtro logo que atingem a cidade de Paris. Sua rede, quando subterrânea, é própria e independente do metrô. Suas estações são gigantescas, e os trens podem ter um ou dois andares. Uma beleza para quem gosta de trens, como eu. Pontos fortes: muito abrangente, colocando uma pessoa que vive à dezenas de kilômetros de Paris dentro da cidade em até 30 minutos, trens confortáveis, pontuais, limpos (algumas pixações apenas), seguros. Ponto fraco: um bilhete pode sair caro, de acordo com a distância a ser percorrida. Nos dias de neve forte o sistema não anda.
Transilien - São os trens das "grandes linhas", como eles chamam por aqui, que interconectam Paris e as cidades que se situam além da "grande couronne", ou seja, além da área metropolitana. São gerenciados pela SNCF, empresa parceira da RATP, também estatal. Geralmente são trajetos longos, com 40 minutos ou mais. Mesmo assim boa parte das pessoas que trabalham e circulam por Paris chegam até aqui através deles, nas grandes estações (Gares de Lyon, Montparnasse, Austerlitz, Gare du Nord). No final de semana o fluxo se inverte, e são os Parisienses que o utilizam para dar uma escapada no "campo". Se tiver passe Navigo melhor ainda, pois a viagem sai de graça no sábado e domingo. Pontos fortes: trens rápidos e confortáveis, pontuais, limpos, seguros. Ponto fraco: um bilhete pode sair caro, de acordo com a distância a ser percorrida
Transilien na Garre de Lyon |
Vélib - Mistura das palavras "Vélo" (bicicleta) com "libre" (livre). Um magnífico meio de transporte que consiste em pegar uma bicicleta numa das centenas de estações e devolvê-la em outra. As bicicletas são novas, tem cestinha, câmbio, lanterna e farol. As ciclovias são fartas, sinalizadas e respeitadas. É preciso dirigir respeitando as normas de tráfico: sinais de trânsito e faixa de pedestres. Uma beleza. É o melhor meio para se locomover em médias distâncias no centro de Paris, divertido e com um ventinho no rosto, em meio às paisagens maravilhosas (nada como pedalar nas margens do Sena, ao lado de Notre Dame, etc). Muito utilizado, inclusive por pessoas de idade, "madamas" e engravatados. Pontos fortes: abundantes, prático, ecológico, barato (paga-se uma taxa equivalente a 2,90 euros por mês adicional ao Navigo para usar à vontade). Ponto fraco: os motoristas respeitam as bicicletas como se fossem um carro ou uma moto. Porém, se o ciclista for distraído, imprudente, ou descuidado, pode ser lambido por uma carro ou ônibus, ou mesmo atropelar um pedestre.
Autolib - O mesmo sistema do vélib, só que com carros elétricos. O sujeito simplesmente pega o carro em um lugar e devolve em outro. Pontos fortes: ecológico e prático. Pontos fracos: a assinatura do sistema é burocrática e o seguro é cara, o número de viaturas ainda é pequeno, e ainda está em fase de experimentação. Nunca usei, pois a assinatura é cara para mim, mas com certeza é uma opção inteligente para quem quer usar um carro.
Voguéo - Projeto piloto que colocará barcos navettes para levar passageiros à estações ao longo do Sena e periferias. Seria um ônibous aquático. No momento em processo de avaliação e experimentação, sobretudo quanto a sua viabilidade econômica. Depende da aprovação do conselho de transportes. Se funcionar vai ser muito bom. Só por curiosidade seria um retorno ao primeiro meio de transporte coletivo a existir na cidade: o barco, que reinou absoluto por mais de um século, e depois foi engolido pelos trens e metrôs.
Voguéo - Projeto piloto que colocará barcos navettes para levar passageiros à estações ao longo do Sena e periferias. Seria um ônibous aquático. No momento em processo de avaliação e experimentação, sobretudo quanto a sua viabilidade econômica. Depende da aprovação do conselho de transportes. Se funcionar vai ser muito bom. Só por curiosidade seria um retorno ao primeiro meio de transporte coletivo a existir na cidade: o barco, que reinou absoluto por mais de um século, e depois foi engolido pelos trens e metrôs.
Navette no Sena, em frente à Biblioteca Nacional François Mitterrand |
Excelente material. Parabéns! Senti falta do trem bala, mas este não é "urbano" propriamnet dito. Vendo um engarrafamento na Linha Amarela, na TV, imaginei que se o sistema de transporte público fosse eficaz e eficiente, muitos carros ficariam na garagem, desafogando o transito. Cabral e Eduardo foram a Paris e copiaram o sistema das bicicletas, só que aqui é uma piada.
ResponderExcluirnossa senhora..estamos muito, mas muito longe disso!
ResponderExcluir